terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Artigo da Lúcia

NOVO CAMINHO


Maria Lúcia Bártholo Favilla

Voltei à Escola. É, voltei para a Escola. Quero terminar um curso que comecei antes de me casar. E não posso esconder que fiquei bastante surpresa. Pensei que fosse encontrar algo mais direto, uma orientação segura de onde buscar, o quê, para quê, etc. É tateante como o foi toda a minha vida. Mostram uma trilha cheia de variantes e buracos, e os objetivos são tão vagos... enfim, pregam uma coisa e cobram mesmo
uma decoreba nas avaliações. Resultado, vou mal e mal me equilibrando em pé. Acho até que essa crise de labirinto que arranjei, foi só para combinar com o conteúdo em questão.

Quando o assunto me interessa, quero ir a fundo, procuro conhecer, quero saber mais e melhor, engulo livros maçudos, mas no final só consigo concluir que sei menos do que pensava saber, antes de começar tudo isso. Coisa complicada que é trabalhar nessa área humana.
são só pensamentos controvertidos, várias alternativas para várias controvérsias e enfim, tudo é tão mutável, que o que se diz não se deve escrever; já o que era não o é mais, ou nunca o foi, apenas se pensou ser. Saindo dos tempos passados, onde tudo o que se sabe é com base em suposições, analogias, esparsos documentos, o melhor é mesmo não tentar analisar. Perceber, tentar compreender e se equilibrar no meio disso, é o mais conveniente. Quando se trata de estudar as leis, a estrutura é o Deus nos acuda. Leis claras, pregando ideais que não conseguem se enquadrar na realidade. É um grito de que tudo precisa mudar. Mas mudar para o quê? de que jeito? Baseado em qual pensamento? Um autor versa de uma forma, outro “expert”, prega com muita propriedade sua visão, não coincide com o que penso, o colega de trás, já interpreta completamente diferente, e enquanto isso, joga-se a culpa em uma estrutura arcaica, de burocracia complicada e fora da realidade, na falta de recurso, e tudo continua correndo enrolado e complicado como sempre. É difícil haver consenso, e quando se chega pr6ximo a isso, vem o corpo mole, o não sou eu quem devo, assim por diante, sempre a espera de que surja alguém capaz de enfrentar a barra do comando e assumir a culpa pelo que não conseguir resolver.

Gosto de estudar, preciso desse titulo, pelo menos pa­ra ver se consigo fazer algo de útil e remunerado, mas a Escola como Escola, tem me desanimado bastante. Pena que não tenha a capacidade de levantar bandeira, e tentar modificar esse sistema de ensino. Só que se fizer isso, sei que será mais um pensamento para desfilar nas classes de aulas: segundo fulano... mas se... vejamos que... e vai continuar tudo na mesma. Não há conexão em termos práticos do inter-relacionamento das matérias e sua praticidade na vida real. É o preço da especialização. O mesmo que acontece na medicina, pois quando a pessoa se sente mal, é obrigada a desfilar diante de vários médicos, laboratórios, porque cada um só trata e sabe dar conta de um pedaço do corpo humano.

Não somos mais vistos como um todo. Assim é também, o que se estuda nessa área humana, não há muita conexão com o todo. A História é tão retalhada, que se perde a noção do cenário do mundo antigo, das trans­formações que se sucederam. Há ainda que se fazer vários mapa-mundis, cada qual só com um pedaço de território traçado, quem sabe se depois de se compreender os diversos pedacinhos, se consegue coloca-los progressivamente em ordem cronológica das épocas, e se possa ter uma visão mais precisa do que fizemos e continuamos fazendo neste planeta.

Vou ter ainda mais um ano nessa vida de estudante, para conseguir meu diploma. Imaginem, licenciatura plena em História. Só que o plena, engloba da quinta até a oitava série do primeiro grau, e as três séries do segundo grau. Não poderei trabalhar com a pré-escola e com as primeiras séries do primeiro grau, sequer no terceiro grau. É plena mas restrita, é ótimo esse uso que se faz da língua portuguesa ou dos títulos, mas enfim, um nível profissional que consigo, o primeiro com certificado, só não sei se é o que valerá. A profissão de professora

É neste país, a maior piada que se pode dizer. Melhor seria a de "baratas tontas", já que têm que fazer algo, que ninguém sabe claramente o quê, nem como, nem bem para que finalidade. Conversando com professores a respeito de estágios e substituições de aulas, as recomendaç5es são sempre: “manter a disciplina que o resto sai fácil”. E eu estava preocupada justamente com o resto, imagine...

Gostaria de tentar, pelo menos para tirar de mim mesma o medo de enfrentar e tentar passar alguma coisa, de mostrar uma forma diferente de encarar a matéria, os porquês e os para quês. Não sei o que sairá, não tenho muita segurança do conteúdo, mas acredito que deva haver urna nova forma de se olhar para um livro, de se aprender alguma coisa, que não seja para o simples fato de tirar notas. Que seja pelo próprio interesse, que seja para melhorar as condições de vida, de compreender que somos parte de tudo isso que existe, que também temos o direito de nos externar, de questionar, de apresentar alternativas.

Vejo a evolução do conhecimento humano, como algo que vem sendo passado, acrescido da personalidade de cada um, e devido a esse processo passado às gerações futuras transformado, numa perfeita inter-relação do conhecimento e indivíduo, havendo sempre a adaptação mais apropriada em cada época da História, sucessivamente. É um processo crescente em que todos nós estamos envolvidos, desde os primórdios da aparição do homem sobre a Terra, até o final dos tempos. Nada, ou dificilmente algo é criado sem uma base de conhecimento anterior, de reflexão sobre esse conhecimento, daí ter sido tão longo o período da pré-história e, as primeiras épocas dessa história, e tão acelerado o desenvolvimento e as transformações da época atual. Só conseguimos pensar, refletir, baseados em algo já existente, que já tenha sido percebido, que de alguma forma já conhecemos. Não pensamos o desconhecido. Todas as imagens que criamos, ou tentamos criar do desconhecido, são baseadas em algo já existente, conhecido, sejam formas, cor, efeito de luzes, sons, função, etc. Daí que o homem transforma, adapta, acrescenta, justapõe matérias, fatos, idéias e cria sempre uma realidade diferente, transformada. Podemos inventar idéias diferentes de usar as coisas e os conhecimentos já existentes. Não temos a capacidade de criar algo novo em tudo, isto não é próprio nosso. É aí que temos de entender a importância de sermos nós, hoje, vivos, atuantes. É a nossa vez de darmos continuação, de adaptarmos conhecimentos à nossa realidade, de corrigirmos erros, de tentarmos passar à geração futura uma vida verdadeiramente digna de seres humanos. É aí que está a ligação do individual com o coletivo, do nosso próprio "eu", com a totalidade dos homens, do conhecimento adquirido com a vida. A Escola deveria ser algo amplo, englobado na realidade do dia a dia, proporcionando a aquisição dos conhecimentos existentes e estimulando a transformação e adaptação à realidade das necessidades das gerações que por ela passam. Teríamos assim, pessoas agindo mais conscientes e com maior conhecimento de causa, sabendo adaptar os conhecimentos às necessidades da sociedade, promovendo transformações mais sólidas, menos tateantes.

O homem precisa reaprender a pensar, a aproveitar o que já existe e,
adaptar às suas necessidades. Tanta coisa fica aí, encostada, em sentido. Um grande desperdício tanto de coisas materiais, como de idéias, de descobertas. Fica tudo de lado, enquanto teimosamente achamos que não nos dizem respeito...

A Escola teria que ser aberta, sempre aberta, a qualquer hora aberta e, o professor, elo entre os vários aspectos do conhecimento existente e necessidades ou interesses de todos quantos a ela buscassem.

Para crianças, escola de educação e iniciação de vida social. Conhecimentos adquiridos e transformados às necessidades das brincadeiras, familiarização com as instituições da cidade onde vive, a percepção da diferença entre participar pelo competir, cooperar, etc. Uma Escola aberta, acessível a todos, sem listas de chamada, sem provas para notas, sem aprovações e reprovações. A pessoa deveria achar importante ir buscar conhecimentos na escola, e ter acesso sempre que dela houvesse necessidade, e não só naquele ou naquela data.

A Escola que eu gostaria de ver, seria uma Escola de Vida, on­de se pudesse buscar conhecimento em qualquer área, dentro do interesse e necessidade de cada um. Onde todas as pessoas, independentes de faixa etária e poder aquisitivo, tivessem oportunidade de aprender, de usar, de transformar e adaptar às suas necessidades, todos os conhecimentos que o homem já conquistou nas ciências, tecnologia, idéias, literatura, etc. Não cabe ser vendido o saber. Incrível ter que pagar e, pagar para usufruir dos conhecimentos que a humanidade conquistou. É imoral o saber ser restrito apenas a quem o possa comprar, e assim mesmo em sempre a cota de mercadoria corresponde as expectativas, não tem muita ligação com a vida, sequer com o interesse do comprador. Compra-se um titulo, muitas vezes sem o conteúdo que possibilite o exercício pra­tico da profissão. É como carta de motorista, que habilita a dirigir um veículo, mesmo não se tendo a noção de como e porque funciona.

Preciso seria uma Escola que desse uma visão da realidade e possibilitasse ao indivíduo se movimentar dentro dessa realidade, aproveitando o que de já existe ou foi pensado, criando e melhorando, produzindo assim uma evolução promissora, quer no mercado, na política, nas ciências, na religião, enfim, em todos os aspectos da atuação humana.

O curso primário, onde para a criança tudo é novidade, deveria ser uma base forte do domínio da própria língua e da matemática elementar. Como matérias complementares, deveriam aprender os primeiros passos na direção da própria independência com aulas de prevenção de acidentes, de como se locomover com segurança nas ruas, no trânsito, o conhecimento das sinalizações, importância da preservação das mesmas, de como fazer transações comerciais, de como e para quê usar as instituições da cidade, etc. A criança da época de hoje, trabalha cêdo, e de nada serve saber anatomia do corpo humano, quando não sabe conhecer a moeda, fazer trocos, calcular uma porcentagem. É preferivel que saiba se comunicar escrevendo corretamente e compreendendo a leitura, do que saber filas de países e capitais, o que na maior parte das vezes não será um conhecimento usado, a não ser que faça algum concurso. As noções de geografia, história, química, física, etc, podem ser aprendidas mais tarde, quando houver maior interesse, para aumentar o campo de visão da realidade. No princípio deve ser incentivada a compreensão e o gosto pela leitura, grafia correta, concordância dos termos e, principalmente, a capacidade criativa de compor ou descrever, transformando o pensamento e sentidos em textos.

A segunda metade do primário, da quinta até a oitava série, aí sim, mais diversificado, permitindo pinceladas de várias matérias, porém tendo sempre o cuidado de mostrar o inter-relacionamento entre todas elas, e as varias áreas de uso na vida :real. Neste período deveria haver oportunidade da experimentação de ver de perto, de atuar e criar.

As Escolas precisam ter alem de bibliotecas, laboratórios, salas de filmagens, teatro, pinturas, artesanatos, assim como uma parte esportiva bem orientada. Nesta fase a criança deveria também aprender enfermagem, tran­sações bancárias, conhecer notas promissórias, recibos, contratos de tra­balho, direitos e deveres de cidadania, a saber onde se dirigir e como agir para resolver problemas de trabalho, de acidentes, etc. e, usar os benefícios sociais que sua cidade oferece.

Depois da oitava série, ou na própria oitava, quando a criança se transforma, época da adolescência e juventude, seria necessário uma pausa em tanto acúmulo de saber acadêmico e, colocado com maior ênfase, todo o conhecimento disponível dos diversos campos profissionais: o quê são, e o que se faz. E também, o que se precisa fazer para alcançar e exercer determinada profissão. Seria interessante que houvesse oportunidade de entrevistas e palestras, numa mostra prática e real, para o aluno fazer uma opção mais consciente sobre seu futuro. Há muitos recursos para se fazer isso, filmes, reportagens, além de proporcionar um contacto direto com pessoas já atuantes na área. Incluindo mesmo, orientação dos níveis de salários, carreira, etc.

O segundo grau, bem diversificado, com matérias opcionais de acordo com a profissão futura que se queira seguir. Paralelo a toda essa seqüência de graus, a Escola precisava oferecer cursos rápidos e prá­ticos de ofícios, artesanato, música, artes em geral, trabalhos manuais, além de orientação psicológica, ou melhor dizendo, a aplicação da psicologia em favor da melhor compreensão e integração do indivíduo ao grupo, à sociedade, à vida. A maior parte das Escolas primárias, principalmente as da rede oficial de ensino, permanecem ociosas no horário da noite. Paralelo a isso, uma grande massa de crianças, jovens e adultos, permanecem sem acesso a qualquer tipo de conhecimento, orientação, educação. Seria proveitoso se esses horários fossem preenchidos com a possibilidade de cursos intensivos de ofícios, e também seria de grande utilidade haver a possibilidade de alfabetização e escolarização de adultos e jovens que por vários motivos ainda estão completamente à margem de qualquer tipo de conhecimento que os possibilite melhorar ou proporcionar sua integração e adaptação à sociedade e ao mercado de trabalho.

No Brasil, não há carência de professores, Há falta de preparo, de organização, de visão, de dinâmica, de enquadramento profissional: indivíduo-cargo-sistema-realidade. Os professores são desorganizados como classe profissional. É preciso uma mudança radical no entendimento do campo de ação desse profissional. Professor, não é aquele que se propõe a ensinar, deve ser o que vai proporcionar aprendizado, orientar, despertar interesse, dúvidas, pesquisas, fazer com que brote a reflexão, o acoplamento entre o conteúdo aprendido e o interior da pessoa, que deve resultar trabalhado, acrescido, adaptado, evoluído, com real utilidade e sentido. Repetir apenas o que se aprendeu, ouviu, ou leu, não conduz a muita coisa; carece de sentido, fica do "lado de fora", não cresce. Ao contrário, pode ocorrer de ser truncado, perder sentido e importância. É preciso que se aprenda a trabalhar o saber, acresce-lo por nós também, pela nossa visão, interpretação e, pelo paralelo com outras visões e interpretações. O conhecimento tem que ser adaptado a nós, por nós mesmos, usados e passados para que continuem evoluindo. O professor mostra, orienta, influi, ajuda, mas não ensina. O ensino é coisa aprendida, e só é aprendido quando se vê sentido, utilidade e aplicação na vida real. E somente pode ser aprendido, depois de ter havido todo um processo de reflexão e diálogo entre o que se está aprendendo e nós mesmos, com toda a nossa carga de interesse, necessidades, maneira individual de pensar, ver e interpretar. O consenso de tudo isso, é o conhecimento aprendido, perfeitamente produtivo.
Faz crescer e evoluir.

(Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé - FAFIG, in: - “Reflexões sobre a Educação no Brasil” – linhas mestras de meu pensamento pedagógico.- 1994)

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